Era uma vez um gato
que morava num jardim. Um jardim no meio da cidade. Em volta do muro de pedra
passavam os carros, os ônibus e as pessoas sempre correndo para chegar ao
trabalho ou em casa. Salomão, o gato,
deitava na parte mais alta do muro e preguiçosamente olhava o dia. Fechava os
olhos e abria lentamente, era sua maneira de beijar os que passavam. As pessoas
não estavam muito interessadas em felinos meditantes e iam em frente. Ele esticava
as patinhas da frente com muita força e
saltava para a parte baixa do muro em direção ás folhagens .
Era uma
segunda- feira como todas as que começavam a semana, mas a intensa reunião em
volta do lago chamou sua atenção. A borboleta mais colorida do jardim estava
pousada sobre o tronco da árvore e parecia preocupada. Salomão até pensou em
começar um daqueles piques para pegá-la, mas desistiu da brincadeira, ela
parecia muito séria.
As lagartas e
gafanhotos aumentavam o círculo em volta da árvore e ele foi lá saber o que se
passava:
- Bem, disse
o Louva Deus, eu acho que temos que agir rápido, as máquinas chegam em duas
semanas.
Ali estava a
novidade do dia : a destruição do Jardim. O Beija-Flor comunicou que o projeto
poderia ser adiado se a chave do trator fosse confiscada, por ele, é claro.
Salomão
ondulou o rabo, enquanto ia de um lado ao outro.
- Aqui é
nossa casa, e até então ninguém se importou com ela. Temos de pensar em algo
muito rápido.
- Quem você pensa que é ? perguntou o jabuti. O Rei Leão ? Com vinte
horas de sono por dia, não vai conseguir fazer muita coisa.
- Não temos
um rei por aqui, Sr. Jabota, mas podemos pensar juntos. Tem alguma sugestão ?
- Bem, sem
nenhuma ofensa, eu acho que temos que arrumar a casa primeiro. Isto aqui está
muito abandonado, nem o sol consegue entrar.
O gato olhou
em volta e viu dezenas de companheiros assustados. Os macacos nos galhos,
enroscados pelos rabos, pareciam estar
aflitos.
- Se
pensarmos que em duas semanas podemos mudar tudo isso e chamar a atenção de
alguém que possa nos ajudar... acho que poderemos salvar o jardim, disse o
gato.
Limpar a orla
do laguinho era bem razoável. As poucas pessoas que cruzavam o jardim
arremessavam latas de refrigerantes e guardanapos de papel. Aquilo era pior que
a terceira guerra no mundo. Um tiro ao alvo para acertar as cabeças.
- Sem falar
que não há calçadas aqui dentro e eles pisam em qualquer lugar com suas botas
gigantes, disseram as minhocas. Podemos ser trucidadas a qualquer instante, morremos
de medo. Com o que foram aplaudidas
pelas formigas e besouros.
O gato deixou
a preguiça de lado e explicou para todos as medidas apresentadas e havia muitos
a favor e outros contra. Umas foram imediatamente rejeitadas, como a das
aranhas de construir um muro gigante de teias que isolasse o jardim. Duas
semanas era um tempo, muito, muito pequeno. Mas era o que tinham e começaram a
agir. O macaco desenhou diversos cartazes e espalhou pela cidade.
SALVEM O JARDIM MUNICIPAL, dizia.
O que move o
mundo é a urgência e quanto menos tempo temos para resolver um problema, mais
rápido vem a solução. Foi assim com os
moradores do Jardim.
Eles
limparam, podaram, cortaram, arrastaram, varreram, pintaram... e tantos outros
verbos possíveis para mudar alguma coisa.
Mas essa é a
história de um gato que não sabia, mas era um gato jardineiro. Ele saltou pra
dentro do muro da biblioteca pública e abriu todos os livros sobre plantas e jardins. De posse dos conhecimentos básicos de
jardinagem, passou para eles tudo que aprendera. A maioria já tinha os
conhecimentos de adubagem como as Senhoras Minhocas, e de regar e
espalhar sementes como os passarinhos. Mas o que faz um milhão é a união das
unidades, e todos iam e viam concentrados em limpar e reerguer o jardim.
Dormiam muito
pouco, até o gato, que coordenava tudo, separando as mudas das plantas. Mudas
que já moravam no jardim há muito tempo, mas estavam espremidas e sufocadas sob
as folhagens, sem sol e pouca chuva.
Chegou o
grande dia. Lá estavam os tratores em frente à entrada do portão principal. Mas
agora, era um jardim espetacular que eles iam derrubar. Um jardim pequeno, mas
maravilhosamente melhorado. Havia plantas com frutos e flores sob o sol, um
lago limpo brilhava suas águas e os peixinhos nadavam ao lado dos patos. As
pessoas podiam passar pelas calçadas em linha reta que atravessam o jardim e as
minhocas e formigas estavam salvas. O gato espalhara meticulosamente pelos
quatro cantos flores encantadoras. Os frutos das árvores podiam ser colhidos
pois os galhos pontiagudos tinham sido podados . Salomão, o gato estava lá á
frente da população do jardim, como um rei felino defendendo a floresta. Era um bom governante, tinha sido eleito.
A notícia já
corria os quatro cantos, no jornal, na televisão, na internet.
“SALVEM O
JARDIM”, nós já o salvamos , diziam os bichos.
As máquinas
tiveram que recuar suas bocas enormes, pois as pessoas se espremiam em volta do
Jardim Municipal. Ainda não era tudo, mas a cidade estava do lado deles e isso
era muito bom.
O tempo
passou e o Jardim foi tombado e virou patrimônio da cidade, assim quando você
tem um brinquedo e tem de cuidar dele para todo o sempre, porque ele é muito
especial.
Salomão
continuou à frente de separar mudas e discutir medidas que ajudassem a manter o
equilíbrio da flora e da fauna. Tudo o que fosse importante para todos era
levado em conta.
Era uma
cidade, misturada no meio de outras, mas com um jardim no centro com flores e um lago limpo. Os pássaros e
minhocas viviam em harmonia, os macacos corriam de galho em galho e vigiavam
tudo, atentos ao bem estar do meio ambiente. Um gato jardineiro dormia debaixo
da paineira o tempo suficiente para descansar.
Jardineiros podam ervas daninhas e fazem florescer vidas. Ele trabalhava
para o bem de todos.
Luísa Ataíde