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segunda-feira, 3 de abril de 2017

UM GATO JARDINEIRO

  

        Era uma vez um gato que morava num jardim. Um jardim no meio da cidade. Em volta do muro de pedra passavam os carros, os ônibus e as pessoas sempre correndo para chegar ao trabalho ou em casa.  Salomão, o gato, deitava na parte mais alta do muro e preguiçosamente olhava o dia. Fechava os olhos e abria lentamente, era sua maneira de beijar os que passavam. As pessoas não estavam muito interessadas em felinos meditantes e iam em frente. Ele esticava as patinhas da frente com muita força  e saltava para a parte baixa do muro em direção  ás folhagens . 
          Era uma segunda- feira como todas as que começavam a semana, mas a intensa reunião em volta do lago chamou sua atenção. A borboleta mais colorida do jardim estava pousada sobre o tronco da árvore e parecia preocupada. Salomão até pensou em começar um daqueles piques para pegá-la, mas desistiu da brincadeira, ela parecia muito séria.
          As lagartas e gafanhotos aumentavam o círculo em volta da árvore e ele foi lá saber o que se passava:
          - Bem, disse o Louva Deus, eu acho que temos que agir rápido, as máquinas chegam em duas semanas.
          Ali estava a novidade do dia : a destruição do Jardim. O Beija-Flor comunicou que o projeto poderia ser adiado se a chave do trator fosse confiscada, por ele, é claro.
          Salomão ondulou o rabo, enquanto ia de um lado ao outro.
          - Aqui é nossa casa, e até então ninguém se importou com ela. Temos de pensar em algo muito rápido.
          - Quem você pensa que é ?  perguntou o jabuti. O Rei Leão ? Com vinte horas de sono por dia, não vai conseguir fazer muita coisa.
          - Não temos um rei por aqui, Sr. Jabota, mas podemos pensar juntos. Tem alguma sugestão ?
          - Bem, sem nenhuma ofensa, eu acho que temos que arrumar a casa primeiro. Isto aqui está muito abandonado, nem o sol consegue entrar.
           O gato olhou em volta e viu dezenas de companheiros assustados. Os macacos nos galhos, enroscados pelos rabos,  pareciam estar aflitos.
          - Se pensarmos que em duas semanas podemos mudar tudo isso e chamar a atenção de alguém que possa nos ajudar... acho que poderemos salvar o jardim, disse o gato.
          Limpar a orla do laguinho era bem razoável. As poucas pessoas que cruzavam o jardim arremessavam latas de refrigerantes e guardanapos de papel. Aquilo era pior que a terceira guerra no mundo. Um tiro ao alvo para acertar as cabeças.
          - Sem falar que não há calçadas aqui dentro e eles pisam em qualquer lugar com suas botas gigantes, disseram as minhocas. Podemos ser trucidadas a qualquer instante, morremos de medo.  Com o que foram aplaudidas pelas formigas e besouros.
          O gato deixou a preguiça de lado e explicou para todos as medidas apresentadas e havia muitos a favor e outros contra. Umas foram imediatamente rejeitadas, como a das aranhas de construir um muro gigante de teias que isolasse o jardim. Duas semanas era um tempo, muito, muito pequeno. Mas era o que tinham e começaram a agir. O macaco desenhou diversos cartazes e espalhou pela cidade.
          SALVEM O JARDIM MUNICIPAL, dizia.
          O que move o mundo é a urgência e quanto menos tempo temos para resolver um problema, mais rápido vem a solução.  Foi assim com os moradores do Jardim.
          Eles limparam, podaram, cortaram, arrastaram, varreram, pintaram... e tantos outros verbos possíveis para mudar alguma coisa.
          Mas essa é a história de um gato que não sabia, mas era um gato jardineiro. Ele saltou pra dentro do muro da biblioteca pública e abriu todos os livros sobre plantas e  jardins. De posse dos conhecimentos básicos de jardinagem, passou para eles tudo que aprendera. A maioria já tinha os conhecimentos  de adubagem como as Senhoras Minhocas, e de regar e espalhar sementes como os passarinhos. Mas o que faz um milhão é a união das unidades, e todos iam e viam concentrados em limpar e reerguer o jardim.
          Dormiam muito pouco, até o gato, que coordenava tudo, separando as mudas das plantas. Mudas que já moravam no jardim há muito tempo, mas estavam espremidas e sufocadas sob as folhagens, sem sol e pouca chuva.
          Chegou o grande dia. Lá estavam os tratores em frente à entrada do portão principal. Mas agora, era um jardim espetacular que eles iam derrubar. Um jardim pequeno, mas maravilhosamente melhorado. Havia plantas com frutos e flores sob o sol, um lago limpo brilhava suas águas e os peixinhos nadavam ao lado dos patos. As pessoas podiam passar pelas calçadas em linha reta que atravessam o jardim e as minhocas e formigas estavam salvas. O gato espalhara meticulosamente pelos quatro cantos flores encantadoras. Os frutos das árvores podiam ser colhidos pois os galhos pontiagudos tinham sido podados . Salomão, o gato estava lá á frente da população do jardim, como um rei felino defendendo a floresta.  Era um bom governante, tinha sido eleito.
          A notícia já corria os quatro cantos, no jornal, na televisão, na internet.
          “SALVEM O JARDIM”, nós já o salvamos , diziam os bichos.

          As máquinas tiveram que recuar suas bocas enormes, pois as pessoas se espremiam em volta do Jardim Municipal. Ainda não era tudo, mas a cidade estava do lado deles e isso era muito bom.

          O tempo passou e o Jardim foi tombado e virou patrimônio da cidade, assim quando você tem um brinquedo e tem de cuidar dele para todo o sempre, porque ele é muito especial.
          Salomão continuou à frente de separar mudas e discutir medidas que ajudassem a manter o equilíbrio da flora e da fauna. Tudo o que fosse importante para todos era levado em conta.

         Era uma cidade, misturada no meio de outras, mas com um jardim no centro  com flores e um lago limpo. Os pássaros e minhocas viviam em harmonia, os macacos corriam de galho em galho e vigiavam tudo, atentos ao bem estar do meio ambiente. Um gato jardineiro dormia debaixo da paineira o tempo suficiente para descansar.  Jardineiros podam ervas daninhas e fazem florescer vidas. Ele trabalhava para o bem de todos.

Luísa Ataíde

sábado, 14 de janeiro de 2017

FALTA UM CABELO AQUI.








O menino olhou pra fora da janela e disse:
- Não vou à escola.
No sábado o menino olhou pra rua e disse:
 - Não vou ao cinema.
O menino olhou o  dia e disse:
-Não vou à escola, não vou ao cinema, não vou sair. Não vou, não vou, não vou.
- O que foi perguntaram ao menino ?
- Falta um cabelo aqui. Disse apontando pra cabeça. Estou ficando careca. Eu não sou velho pra ser careca.

Ninguém via nada.Olhavam de cima, olhavam de lado, tudo igual.
 - Não vou, não vou, não vou, dizia o menino igual carro emperrado.
 
Passaram-se os dias, passaram-se os meses e o menino na frente do espelho, sempre lá.
- Falta um cabelo aqui. Falta um aqui  também, chorava.

Veio a mãe, o pai, o barbeiro, massagista, psiquiatra, ritalina, espirulina, , fluoxetina ... e nada.O menino continuava triste. Remédio de benzedeira, de cozinheira, de farmácia.
Passa gengibre, cravo da índia,óleo de ríseo, óleo de côco, esfrega , esfrega , mais alecrim ...  um pedacinho de canela, um pouco de cravo. O menino já estava virando doce.

Nasceu o primeiro fio, o segundo fio, e muitos outros. O menino olhou o espelho, olhou,  olhou e disse:
 Não vou sair de casa.
- O que foi perguntaram ao menino?

- Nasceu uma espinha aqui. Falou apontando pro nariz.


L.A

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

RESMUNGA MUNGA


Era uma vez uma gatinha esplendorosa. Munga tinha os  olhos azuis  que se fechavam bem devagarinho. A cauda preta balançava de alegria de um lado pro outro. O pelo era marrom macio, e as patinhas pareciam ter pisado a neve: vestidas sempre com meias brancas. Dizer que aquela gata era bonita eu diria não ser muito justo, ela era mesmo esplendorosa.

        Mas ela andava triste. Se davam Bom dia ela dizia:

- Naummmm

Tudo bem?

- Naummmmm.

Os dias eram um doído não. Ou talvez um oiiimmm. Aquilo era toda hora, todo minuto, todo segundo, sempre. A gatinha resmungava  sem parar. Não comia, não brincava, não sorria. Pulava o muro para a casa vizinha, queria fugir do nauuummmmm. Voltava no final da tarde e tudo continuava doído e triste como um não ou:
- Oiiimmm, ummmm, naoooummm, aiiiiii, aiiiii.

Por que resmunga Munga?
- aimmmmmm.

Alguém pegou ela no colo e ela chorou um miado mais agudo ainda. Alguém encostou na patinha e o maior nãummmm do mundo pulou lá de dentro. Alguém segurou a patinha de Munga e viu: um sinalzinho preto pra fora, querendo sair mas não podia.Era o espinho da roseira que morava ali, a quanto tempo ninguém sabia.

Alguém puxou o espinho com força, com tanta força que quase arrancou  o  pé de roseira inteiro do espinho. Munga amanheceu feliz.

Bom dia Munga
- Miauuu!
e saiu balançando seu rabinho esplendoroso.



Às vezes o que não nos deixa sorrir é só um espinho no pé.
       

L.A